Pular para o conteúdo principal

Mémoire poisson rouge.



Avoir une mémoire de poisson rouge” é uma expressão francesa que significa: “ter uma memória curta” ou “não ter memória de nada”. Trocando em miúdos: é o cidadão que esquece as coisas muito facilmente no melhor estilo “Dory” (que é um peixe azul, não rouge, mas enfim), do desenho “Procurando Nemo”, ou então da célebre frase domingo-pós-balada: “se eu não lembro, eu não fiz”.  

Mas me intriga a forma que usamos o verbo “esquecer” de forma equivocada. Queremos imputar uma “ação” ao coração, quando na verdade a semântica indica uma atitude do cérebro. Impossível tirar totalmente da nossa vida quem um dia foi motivo da nossa felicidade, pelo menos por algum tempo. 

Esquecer significa, então, não “sentir" mais nada? Sinceramente, hmmm…sim e não. Seria mais um “superar”, vai. E superar um amor antigo não significa que ele não será mais lembrado, ou sentido. Afinal de contas, cheiros, lugares, comidas e pessoas nos fazem relembrar ou recordar situações, porém, não significa que se quer aquela pessoa de volta. 

Mas não há motivos para ignorar que este passado, um dia, foi presente. Presente vivido de corpo e alma. E este passado é como uma cicatriz no joelho, que você vê, toca, lembra de como a obteve mas não dói mais, mas está sempre ali, marcada em você. Porque, bem ou mal, aquele amor faz parte da tua história, como você também faz parte da historia dele(a).

E o tempo é tão interessante que consegue discernir que um ciclo foi encerrado e que a história acabou – mesmo que não tenha havido um fim. Mas tudo foi resolvido. Nós seguimos nossas vidas, conhecemos e nos relacionamos com outras pessoas. A vida seguiu e não foi apenas para um - então pode ficar tranquila(o) que ninguém ficou sentado para sempre esperando o outro viver a sua vida e depois achar que pode voltar. Todos nós prosseguimos. 

Ta, mas quanto tempo leva para “superar” um amor? Ah, caros amigos, depende de cada pessoa - e há quem diga que são uns dois anos com o nosso pensamento dominado por alguém em especial. (putz!) 

A verdade é que pode levar alguns dias, meses, ou anos mesmo, claro. Em alguns casos, nem uma vida é o suficiente para superar. Até porque, como esquecer uma trajetória? Uma história? Apagar momentos bons, já que os ruins, ah, esses deveriam ser apagados feito posts de "vergonha alheia” das redes sociais. 

Manja, essa “super-ação” de abandonar o que ficou para trás não significa necessariamente esquecer o amor. Até porque, mesmo superando, ficam as lembranças. E elas estarão sempre ali: seja naquele prato que se pedia no restaurante preferido, ou passeios e viagens que nos fazem rir ou chorar. Lembranças representam histórias, fatos que constroem a nossa existência. Lembranças de um futuro não vivido, de uma vida passada, de um presente que precisa ficar no passado.  

O fato é: aquele sentimento um dia vai se apagar, mas aquilo que alguém representa, jamais.

Superei, e não foi preciso esquecer, Nemo. 
“…continue a nadar, continue a nadar…”

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Do Berro ao Bolo: O Ano Que Eu Não Escolhi Te Amar, Antonio.

Hoje Antonio faz um ano. Um.       Ano. O tempo, depois que você vira pai, não passa — ele te atropela de ré, em câmera lenta, com a trilha sonora de um berro primal e cheiro de fralda morna no ar. Aliás, esse tal “tempo” é uma ficção criada por mães exaustas e filósofos que nunca trocaram uma fralda às 3h da manhã. Porque desde que esse ser de 75 cm e quase 10 kg chegou, os dias deixaram de ter lógica. Cada hora dura quatro semanas e, ao mesmo tempo, passa num espirro — ou num pum que assusta e vem com bônus surpresa. Esqueça relógio. Meu calendário agora se mede em mamadeiras, fraldas e agressões com mordedores em forma de girafa. Eu não acordo mais — sou expulso do sono com a sutileza de uma sirene de incêndio e a ternura de um chute de UFC na traqueia. Sou evocado. Convocado. Arrancado da cama por um grito que mistura o pavor de Hitchcock com a urgência de uma reunião do G20. Tapas, cotoveladas e uma auréola de caos me despertam como se eu fosse figurante em Apoc...

O Algoritmo Me Fez Fazer Isso (Juro)

Lembra daquela sensação gostosa de fazer uma escolha? Tipo: “Hoje eu vou assistir o que eu quiser, comer o que der vontade e vestir o que tiver a ver comigo” ? Pois é. Isso morreu. Foi discretamente enterrado entre os cookies do seu navegador, num caixão forrado de notificações e sugestões “pensadas especialmente pra você”. Em 2025, o livre-arbítrio virou lenda urbana — tipo honestidade em reality show ou Wi-Fi de aeroporto que realmente funciona. Acreditar que ainda tomamos decisões por conta própria é tão convincente quanto acreditar que aquele anúncio de tênis apareceu por acaso logo depois de você comentar, casualmente, que estava “precisando de um tênis novo” — ao lado do celular, claro. A gente acorda com um despertador “personalizado”, escolhido por um app com base no nosso “cronotipo ideal” (porque até dormir virou um espetáculo de alta performance). Começa o dia ouvindo uma playlist montada por um robô que jura nos conhecer melhor que nossa própria mãe. E na hora do almoço,...

Paternidade. Primeiras impressões.

Paternidade.  Primeiras impressões.  Ah, a Paternidade! Este milagre transforma qualquer ser humano razoavelmente funcional em um especialista instantâneo em fraldas e canções de ninar com melodias tão hipnotizantes quanto uma vuvuzela tocada por um rinoceronte. E quem diria que, no meio desse turbilhão de babadores e mamadeiras, estaríamos vivenciando a tão almejada “profundidade de vida”? O bebê chega e, de repente, somos todos filósofos de plantão, versando sobre a existência, vulnerabilidade e outras palavras que nunca apareceriam numa conversa de bar. “ A paternidade nos torna vulneráveis ”, dizem os iluminados de fraldário. Pois é, nada como ser acordado às três da manhã por um berro que faria uma sirene de ambulância corar de vergonha para sentir a fragilidade da vida humana. Se isso não te torna vulnerável, meu amigo, nada mais o tornará. E a beleza de ver nossos trejeitos replicados nessas criaturinhas? Você sempre sonhou que seu rebento herdaria aquele seu jeito char...