O Suplício Encantado de Reaprender a Dança das Letras
Ah, os gloriosos campos da literatura. O vasto espaço em branco que espera pacientemente as manchas de tinta do autor que, após um longo hiato, decide retornar ao redil. Reaprender a dança das letras, meus caros, é um bicho de sete cabeças, um emaranhado de sentimentos, um caldeirão de desespero e, às vezes, um tanto ridícula.
Ainda assim, aqueles dentre nós que ousam dançar com as palavras uma vez mais encontram-se em um verdadeiro campo de batalha. Lá estão eles, os escritores retornantes, frente a frente com a temível página em branco, equipados com nada mais que um arsenal de canetas e um vasto deserto de ideias que se recusam a se formar em frases completas.
Durante a pandemia, as palavras pareciam ter fugido de mim como um bando de pombas assustadas. E imagino que você também tenha vivido algo semelhante. O isolamento, a sensação de estar preso em um looping infinito de dias cinzentos, a insuportável leveza de parecer viver sempre o mesmo dia...foi um desafio.
Tínhamos que conviver com um silencioso inimigo microscópico, que fez com que nosso refúgio com amigos na mesa do bar, os almoços de família com o tio-do-pavê, ou o café da esquina onde as palavras flutuavam no ar como borboletas de inspiração, fechasse as portas. Na trincheira do isolamento, me restava apenas a companhia da solidão e da ansiedade, ambas mestras em tecer o manto cinzento da depressão.
Neste cenário, me ver tentar retornar a compartilhar as "andanças e peripécias do sonhador boa-praça" era como assistir a um palhaço fazendo malabarismos com facas. Eu estava no centro de um espetáculo recheado de humor, ironia e, claro, algum perigo. Lutava contra a falta de energia, a ansiedade e, com um pé atolado no pântano da depressão, tentava desesperadamente encontrar o caminho de volta para a dança das letras.
Essa elegante dança entre o escritor e a página (ou no meu caso, entre teclado e tela do PC). Parece, à primeira vista, uma dança pacífica. Mas é uma guerra silenciosa, como o processo de engarrafar um tornado.
Porém, percebi que o esforço não estava no espetáculo final, colorido e vibrante, mas em cada gesto, cada passo, cada gota de suor derramada na pista de dança da criação. Ou da vida.
No meio dessa dança desengonçada, li uma frase – em um livro de técnicas de redação jurídica em inglês 💁– que me chamou muito à atenção: "IF IT READS EASY, IT WROTE HARD". A tradução literal para esta frase não carrega o mesmo significado em português, pois é um dito específico do inglês, mas, numa tradução bem-sem-vergonha, sugere que se um texto é fácil de ler, então muito provavelmente foi difícil de escrever.
Muitas vezes, as experiências da vida seguem um padrão semelhante. Quando ouvimos as histórias dos outros, podemos ser levados a acreditar que a jornada foi mais tranquila do que realmente foi. As histórias de sucesso e as narrativas polidas fazem com que pareça que a luta foi fácil, que o caminho foi repleto de vitórias e que a dor foi suportável.
No entanto, as histórias que ouvimos são como textos bem escritos, onde cada palavra foi escolhida a dedo, cada frase construída meticulosamente e cada capítulo cuidadosamente revisado. E o que não vemos é a grande quantidade de esforço, o tempo consumido, as lágrimas derramadas, as noites em claro e as inúmeras revisões que foram necessárias para fazer a história parecer tão simples e fluente.
Então, ao ouvir as histórias dos outros, devemos sempre lembrar que por trás de cada história "fácil de ler", houve uma experiência "difícil de viver".
Afinal, tanto a escrita como a vida em si, não são uma linha reta. Elas são uma dança, com altos e baixos, acertos e tropeços. E a beleza dessa dança está no esforço que ela requer.
E que assim seja, afinal, "reaprender a dança das letras" é a própria vida, e cada aprendizado é, em si mesmo, uma pequena-grande vitória.
Portez-vous bien, à la prochaine.
#Voltei.
Boa, Thiago! Parabéns pela iniciativa e aguardando o próximo! Abs!
ResponderExcluirObrigado Helinho! Já tem um forno!rs Abraços
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